Foz: 108 anos. Muito a comemorar e mais ainda a refletir

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Autor: José Elias Castro Gomes

Em comemorações de aniversário só queremos saber de celebrar, e celebrar não combina muito com crítica ou olhares voltados a erros do passado. Ninguém quer saber de alguém chegando no meio da festa pra falar sobre as más escolhas do aniversariante, seus eventuais defeitos ou o fato de estar rodeado de amigos de índole duvidosa. Com o aniversário de nossa cidade ocorre algo similar: temos tanto a festejar por mais um ano de história que nos é desagradável recordar que Foz tem, sim, seus problemas (como qualquer município do Brasil e do mundo), mas é só encarando-os de frente teremos mais a comemorar nos tais “muitos anos de vida” que cantamos a plenos pulmões e com todo o orgulho.
O fato é que se a Foz de hoje for comparada com a Foz de alguns anos atrás, certamente teremos o que celebrar, pois houve grandes avanços. Mas nossas referências precisam ir além de nossas fronteiras. Daí perceberemos que há mazelas que precisam ser tratadas com certa urgência, sendo algumas delas até crônicas.
Foz está encolhendo demograficamente. E o motivo reside na falta de oportunidades e no horizonte cada vez menos promissor aos mais jovens. Um fato que muito preocupa é o déficit de milhares de vagas nos bancos escolares da rede pública municipal de ensino infantil e fundamental I. Também estamos caindo ano a ano em nossa arrecadação de ICMS – em 2021 chegamos a ficar atrás do município de Toledo, que, com uma população consideravelmente menor do que a de Foz, nos serve agora de modelo a ser seguido. Nossas obras chegam com atraso, parecemos estar sempre perdendo o passo e o compasso, como que dançando uma valsa torta com o futuro. Os serviços públicos e obras chegam a conta-gotas para a população, tornando-a refém da boa vontade dos políticos. O que deveria ser um direito passa a ser percebido como um favor, uma benevolência. Trata-se de uma inversão de perspectivas, pois os eleitos são funcionários da população, devendo prestar satisfação sobre seus atos e usar de celeridade nas ações que precisam ser levadas a campo.
Estamos por vezes até perdendo o papel de protagonistas e aglutinadores de interesses entre os municípios do oeste paranaense. Isso para mim ficou claro quando de minha luta pessoal por termos um processo licitatório do Parque Nacional do Iguaçu que trouxesse reais benefícios aos municípios lindeiros. Até mesmo os serviços básicos estão ficando à deriva. A evidência dessa afirmativa pode ser constatada no processo de quebra de contrato da antiga concessionária do transporte coletivo que descumpriu com seus compromissos. A nova concessionária recebe mensalmente da prefeitura uma soma que pode chegar, ao final de 12 meses, em R$ 20 milhões em subsídios (sem contar o que recebem com os ganhos da população no pagamento da tarifa), para colocar nas ruas veículos de segurança duvidosa, sendo que muito chocou o caso de dois ônibus que chegaram a perder as rodas quando em atendimento da população. Felizmente os casos não desembocaram em tragédia, o que não significa que ela não poderia ter ocorrido. E o mais complicado é que nossos vereadores mal tem moral para fiscalizar tais serviços, pois foram os próprios que revisaram o contrato com o novo transporte público, ou seja, estavam presentes na contratação, o que faz com que sejam os oficiais avalizadores do transporte que aí está. E, por incrível que pareça, a gravidade da situação chega a exceder a já inaceitável precariedade do transporte público (que até parece pior do que nos tempos em que gerou a quebra de contrato): a atual concessionária possui vínculos com a anterior, devido a seus sócios serem parceiros em outras operações, sendo que alguns deles respondem por processos na justiça (lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e fraude em licitação). Para resumir e simplificar o entendimento dessa situação: tiramos a antiga concessionária pela porta da frente, com provas irrefutáveis de suas negligências com o transporte de nossa população, mas ela voltou pela porta dos fundos, camuflada e amparada por enjambres legais e políticos.
Quando de minha participação na prefeitura encabeçando a pasta de transparência e governança do município testemunhei e protagonizei outro episódio frustrante para nossa cidade. Criei um fundo de compliance, que seria uma medida inédita nacionalmente no combate à corrupção (aqui em meu blog publiquei textos sobre a iniciativa www.zeelias.foz.br), mas que sofreu grande revés na câmara de vereadores, a qual tornou o projeto inviável, destruindo-o sem dó nem piedade. É de deixar qualquer um perplexo o fato de perdermos o bonde da história desperdiçando uma iniciativa que poderia tornar Foz do Iguaçu um modelo a servir de exemplo para o país.
O que nossas lideranças fazem com a população é um constante processo de laboratório e gambiarras onde põe a mão. Tomemos como exemplo um mero campo de futebol. A obra tem um orçamento inicial vultoso, mas que é turbinado com aditivos que o fazem custar o dobro ou o triplo do valor quando a obra é concluída. Depois de muita demora (não raro coincidindo com os meses que antecedem a eleição), o tal campo de futebol é inaugurado com todo o cerimonial a que tem direito, fazendo a festa da população que mora em seu entorno. Passado o tempo, o dito espaço esportivo cai nas valas do descaso, carecendo de reparos e manutenção (sem falar na total ausência de um planejamento de uso para outras atividades estratégicas e de um mero programa de fomento ao esporte entre os mais jovens). O campo fica às moscas, torna-se ponto de encontro de traficantes e amigos do alheio, e só vai ser lembrado mais adiante por algum outro político que promete revitalizá-lo, para então entrar no mesmo ciclo vicioso de orçamentos expressivos, demoras, aditivos, reinaugurações e esquecimento.
Especificamente no caso de Foz, às vezes deixamos de navegar mesmo com o vento a favor. Temos um orçamento de R$ 1,4 bilhão, ou seja, não nos faltam recursos. Porém, não há recursos suficientes quando não há controle. Sem a fiscalização dos serviços públicos e uma cobrança por resultados, a má gestão se torna um ralo largo, profundo e insaciável. Tomemos outro exemplo para ilustrar esse raciocínio: está em debate a aquisição de um datacenter que custará R$ 20 milhões para compra e mais alguns milhões anuais para manutenção nos próximos anos. Claro que é importante a segurança da informação, o que até certo ponto justifica o investimento, mas a Bolsa de Valores de São Paulo armazena seus dados na nuvem, com segurança e modernidade, então qual a argumentação para irmos na contramão dessa tendência que é plenamente aceita pela iniciativa privada e outras prefeituras do Brasil. A falta de uma gestão gera desperdício que, por sua vez, gera falta de recursos em diversas frentes. Utilizamos diversos espaços alugados e o nosso sonhado paço municipal? – em outras palavras, a prefeitura não tem sede própria. Esse é um problema agora e para todos os próximos anos, posto que a cidade sempre precisará de uma prefeitura. Então, não é o caso de pensarmos nesse investimento ao invés de concentrar foco em um data center?
É bom lembrar que incompetência também é um tipo de corrupção, pois consiste em falsidade ideológica. Se você está em um cargo para o qual não tem a devida capacidade e os conhecimentos necessários à sua boa execução, você está sendo irresponsável e recebendo uma remuneração indevida. A falta de zelo com o dinheiro público e seu desvio para enriquecimento ilícito solapam a esperança da população. E o quadro se agrava quando não há controle, compliance e governança.
Temos, no atual momento, de um lado as vistas grossas para os problemas da corrupção, como se não precisássemos de mais rigor contra sua prática (mesmo com ela nitidamente se agravando); e, de outro, vistas grossas para com um serviço que é de primeiríssima necessidade da população. Será que nossos políticos sabem o que é esperar um ônibus que chega atrasado, lotado e com risco de acidentes por uma manutenção precária ou inexistente? Ou ficar esperando por horas no posto de saúde com o filho doente, sendo que o atendimento é precário justamente porque a condução desleal dos recursos em impostos gera carência de médicos, equipamentos e remédios? Ou ainda ficar sem saber se o filho conseguirá vaga na escola desejada devido à disputa por bancos escolares cada vez maior devido à falta de investimento na educação?
Não se trata de uma crítica específica à prefeitura municipal de Foz do Iguaçu, ou mesmo aos funcionários municipais, e sim a um sistema que impera tanto aqui quanto nas outras cidades do Estado e do país. Mas não podemos nos acomodar por conta disso. Foz é grande e precisa se fazer grande e cada vez maior, o que exige ousadia e inconformismo.
É aniversário e vamos, sim, celebrar muito. Mas também precisamos refletir porque aniversário é uma vez por ano, mas o respeito e o amor por nossa cidade a gente pratica todos os dias.

 

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