Mato Grosso do Sul: fronteira estratégica para o crime organizado

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Mato Grosso do Sul: fronteira estratégica para o crime organizado
Por Wagner Ferreira da Silva

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Mato Grosso do Sul mostra-se terreno fértil para atuação de Organizações Criminosas, por sua posição estratégica, já que seu território faz divisa com estados de Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás, Paraná e São Paulo, além de exibir extensas fronteiras com Paraguai e Bolívia. Essas características, aliadas a baixa densidade demográfica, uma economia de base rural, 44 municípios em faixa de fronteira, a proximidade com estados brasileiros receptores de ilícitos transfronteiriços ou com canais rodoviários ou portos e aeroportos que ligam aos consumidores finais, além da proximidade com o Paraguai que possui zonas produtoras de maconha que tornam a sua produção a 2ª maior do mundo e com a Bolívia, que possui zonas produtoras de cocaína, cuja a produção o faz o 3º maior produtor mundial da droga, fazem com que o estado torne-se rota significativa do tráfico de drogas, do contrabando e do descaminho e consequentemente dos crimes que os circundam como a receptação de veículos roubados ou furtados, a lavagem de dinheiro, a evasão de divisas, os homicídios, o tráfico de armas, a corrupção, roubos a instituições financeiras e a violência de uma maneira geral.
Com o Paraguai o estado possui 436, 9 km de extensão de fronteira seca, ou seja, delimitada artificialmente por meio de marcos de concretos fixados a cada cerca de 900 m. Ainda há uma fronteira fluvial de pouco mais de 641 km de extensão compostas pelos Rios Estrela, Apa e Paraguai.
Já com a Bolívia possui uma fronteira de 401, 9 km de extensão, dos quais 135,3 km entre fronteira fluvial e áreas alagadiças do Pantanal, com destaque ao Rio Paraguai.
Uma outra característica de Mato Grosso do Sul que facilita o enraizamento do crime são as cidades gêmeas, aqueles os municípios cortados pela linha de fronteira, seja essa seca ou fluvial, integrada ou não por obra de infraestrutura, que apresentem grande potencial de integração econômica e cultural, podendo ou não apresentar a unificação da malha urbana com cidade do país vizinho e com população superior a 2 mil habitantes, são importantes
polos de comunicação e interação econômica e social, inclusive do mundo marginal, a exemplo: Corumbá (BRA) e Puerto Quijarro (BOL); Porto Murtinho (BRA) e Capitain Carmelo Peralta (PY); Bela Vista (BRA) e Bella Vista Norte (PY); Ponta Porã e Pedro Juan Caballero (PY); Coronel Sapucaia (BRA) e Capitain Bado (PY); Paranhos (BRA) e Ypejhú (PY); e Mundo Novo (BRA) e Salto del Guairá (PY). Estes pontos impactam diretamente tanto na aplicação das medidas de repressão ao crime e violência, quanto na aplicação de outras polícias públicas que vão interagir com a segurança pública.
Em vias de implantação da denominada Rota Bioceânica num traçado de 2.396 Km de corredor rodoviário ligando os dois maiores oceanos do planeta, Atlântico e Pacífico, percorrendo Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, fazendo a conexão do Porte de Santos (BRA) aos portos de Iquique (CHI) e Antofagasta (CHI), novamente Mato Grosso do Sul se destaca com papel estratégico de fronteira terrestre e fluvial brasileira, nova rota tanto do tráfico de entorpecentes quanto do contrabando poderá ser estabelecido, já que é muito comum a utilização das estruturas estatais para ação de organizações criminosas, que promove uma espécie de simbiose com o estado para obtenção de poder e lucro.
A nova rota cortará o estado de leste a oeste, conectando Brasil e Paraguai, por meio da ponte internacional bioceânica sobre o Rio Paraguai em Porto Murtinho (MS) e Captain Carmelo Peralta (PY), com a expectativa de transformar Mato Grosso do Sul em um hub logístico, um centro de distribuição de mercadorias.
A tudo isso acrescenta-se o projeto de construção de uma ponte internacional sobre o Rio Apa ligando os municípios de Porto Murtinho (BRA) e Valemi (PY) na busca da consolidação da integração entre os países, desenvolvimento de suas economias, fortalecimentos de seus laços culturais e sociais, além do fomento ao turismo local.
Todo esse cenário é importante para demonstrar o quanto as fronteiras em Mato Grosso do Sul se tornaram espaço estratégico para a atuação de diversas Organizações Criminosas, sobretudo aquelas que praticam o tráfico de drogas.
O crime atua em rede e consegue conectar apoio, logística, execução e administração financeira das diversas práticas ilícitas, nos territórios do Brasil e de seus vizinhos. Podemos dizer que organizações criminosas de origem
nacional, do Paraguai e da Bolívia fazem “negócios” nos mais diversos ramos do crime na fronteira e potencializam a violência na região e a irradiam. O veículo roubado na região sudeste, por exemplo, é utilizado como moeda de troca por drogas na fronteira ou como veículos transportadores de drogas ou no contrabando de cigarros.
Com frequência é possível acompanhar o crescente número de assassinatos violentos na região de fronteira. Esses episódios cada vez mais comuns estão diretamente relacionados a busca por domínio de território e poder por parte do crime organizado e revela problemas estruturais, que carece de tomada de medidas bilaterais do estado brasileiro e seus vizinhos. É um problema complexo e que não vai ser solucionado com meras medidas repressivas de polícia, necessita de respostas complexas, atacando algumas das raízes como a disponibilidade de mão-de-obra, a legislação conflitante, o aperfeiçoamento da cooperação internacional, o investimento em educação e em uma cultura de resistência à atividade criminosa e valorização da segurança pública, entre outras.
A estado de Mato Grosso do Sul por meio de sua Secretaria de Estado, de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP) tem contribuído decisivamente na repressão aos crimes transfronteiriços, tanto que há 35 anos criou em sua estrutura o Departamento de Operações de Fronteira (DOF), órgão pioneiro no Brasil no policiamento especializado de fronteira, responsável pela apreensão de mais de 500 toneladas de drogas somente nos últimos dois anos, porém é evidente que essas medidas contribuem, mas não solucionam o problema e a carece de políticas públicas, de um olhar nacional, e estruturante de forma a decisivamente deixarmos de “enxugar gelo” e iniciarmos um processo de mudança no enfretamento às Organizações Criminosas que usam a região para auferir lucros bilionários.
Não se pode falar em enfrentar a violência em nossas fronteiras, sem fortalecer os vários ramos da repressão, quais sejam, a retenção de cargas ilícitas, a investigação e consequente prisão de lideranças, o rastreamento dos canais de lavagem de dinheiro, a recuperação de ativos, o enfretamento à corrupção de agentes públicos e a efetiva incapacitação dos criminosos, entre outras ações, mas também do outro lado da gangorra fortalecer as atividades preventivas de ampliação da presença do estado, reformulação da legislação
penal brasileira e o tratamento de dependentes, de forma a fazer com o que o território brasileiro seja impróprio para o ingresso de drogas e esses sirvam de fatores dissuasivos para o cometimento de crime, seja pela baixa demanda de consumo interno, seja pela impossibilidade de escoamento ao mercado consumidor europeu ou africano, seja pela alta probabilidade de que uma vez preso seja efetivamente sancionado pelo estado.
É evidente a importância estratégica das fronteiras em Mato Grosso do Sul e como o crime organizado tem se aproveitado dos problemas estruturais da região para se inserir, buscar domínio e obter grandes lucros com o mercado ilícitos. Mais do que a “mexicanização” da região o receio é de que se torne um mix do que ocorre nas comunidades dominadas pelo tráfico de drogas do Rio de Janeiro e do próprio México, mas com uma pitada de Brasil e Paraguai com as suas deficiências estruturais.

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